Todo bebê já nasce egoísta – e a ciência acaba de comprovar o motivo: a área do cérebro responsável por nossos impulsos e pelo autocontrole é extremamente imatura em um recém-nascido e pouco se desenvolve até os 6 anos de idade. Só a partir daí, essa região, chamada de córtex pré-frontal dorsolateral, começa a “amadurecer”. A comprovação foi feita por uma pesquisa alemã realizada com 146 crianças entre 6 e 13 anos. É por isso que ficaríamos, então, mais pacientes e generosos ao longo dos anos.
“O resultado da pesquisa representa um avanço na compreensão de como o comportamento social se desenvolve, com implicações de longo alcance para a educação”, diz o autor do estudo, o pesquisador Nikolaus Steinbeis, do Instituto Max Planck de Ciências Cognitivas e do Cérebro, na Alemanha. E destaca a importância de ajudar as crianças a agir, de acordo com as limitações fisiológicas de cada idade.
Os primeiros sinais de egoísmo e egocentrismo (veja a diferença entre eles no destaque abaixo) começam cedo e são inconscientes. Logo que nasce, seu filho não tem a noção de que saiu do útero e foi separado da mãe. Para ele, os dois são a mesma pessoa – tudo bem, então, ir no colo de estranhos. Afinal, ele e a mãe “continuam” juntos. É somente por volta dos 6 meses que ele vai começar a perceber a diferença. Não é à toa que, a partir dessa idade, aquele bebê tão “desprendido” entra na fase que os pediatras chamam de angústia da separação. Daí em diante, essas características “pouco nobres” aparecem a todo instante: ele não quer dividir os brinquedos, sente ciúme das pessoas próximas e, quando você menos espera, vai passar a maior vergonha no playground porque o seu filho acha que o escorregador é uma área VIP...
Acontece que, assim como os adultos, é normal a criança ter carinho por algumas coisas específicas. Ela não sabe, entretanto, colocar-se no lugar do outro, nem lidar com a frustração de não ter os desejos atendidos. Então, perde o controle e um ataque de birra começa! Saiba que as crises de egoísmo são quase um pedido de ajuda e, muitas vezes, elas estão testando o limite dos pais.
O que acontece, então, com aquele amigo do seu filho que está sempre disposto a dividir tudo? Resposta: o altruísmo também faz parte da genética. Um estudo da Universidade de Wisconsin, nos EUA, mostrou que bebês podem se igualar e até superar os adultos quando o assunto é fazer o bem. Metade das 47 crianças de apenas 15 meses avaliadas exibiram, em diferentes testes, fortes sinais de comportamento cooperativo. Até agora, pensava-se que elas não compreendiam o altruísmo até os 2 anos e que o senso de justiça só se desenvolvia aos 6 ou 7.
Mas não se engane: a maioria das crianças vai viver a fase do “é tudo meu!”, que atinge o ápice por volta de 3 anos. Faz parte do desenvolvimento, do amadurecimento e da formação da personalidade. “Com o passar dos anos, por meio das experiências, ela vai perceber que não dá para viver sozinha e aprende a compartilhar”, diz o psicólogo Yves de La Taille, professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e especialista em desenvolvimento moral. Até lá – e para ajudar o seu filho nessa conquista social – dê o exemplo e seja paciente. “Como o processo é natural, a insistência em querer que a criança empreste o brinquedo não melhora em nada. Por isso, vá com calma e ofereça possibilidades”, afirma a psicanalista infantil Anne Lise Scappaticci, de São Paulo. “O adulto precisa administrar a situação, e não resolver pela criança”, conclui.
Claro que, durante um escândalo no meio do shopping, você dificilmente vai se lembrar das explicações científicas. Selecionamos, então, algumas dicas para lidar com as situações mais comuns.
Filhos únicos tendem a ser mais egoístas?
O primeiro filho de cada família demora, sim, mais tempo para aprender a dividir. “No começo, os pais, e, principalmente, os tios e os avôs, se voltam para a criança. Junto com o carinho e o amor, sem querer, fazemos tudo que eles querem”, diz o pediatra Marcelo Reibscheid, do Hospital e Maternidade São Luiz (SP), que é pai de Bruno, 4 anos, e Theo, 10 meses. Por isso, a escola é tão importante para os filhos únicos. É lá que eles vão aprender a conviver em grupo e ter experiências de compartilhamento. Já o segundo filho nasce em uma situação bem diferente: ele chega ao mundo dividindo os pais, a casa, o quarto, os brinquedos.
E como os pais de filhos únicos podem ajudá-los a compartilhar desde cedo? Uma dica – que, aliás, serve para todas as famílias – é fazer uma limpeza, mesmo que anual, com o que seu filho não usa e não brinca mais. Peça para que ele participe do momento da reciclagem e da doação.
Stella veste blusa Yogini
Agradecimentos: Cinerama, Fábrica de Idéias, Imaginarium, Luiza Barcelos, Ôoh de Casa, Pepper
Seu filho não empresta os brinquedos para ninguém
Normalmente, os primeiros sinais da dificuldade de dividir surgem a partir do primeiro ano e vão diminuindo aos poucos até os 6, quando espera-se que a criança adquira o senso de viver em sociedade de forma consistente. Caso seu filho ultrapasse essa idade tendo ataques de egoísmo constantes, é melhor procurar um especialista. Pode ser que ele esteja sofrendo com algum acontecimento recente e essa seja uma forma de pedir ajuda.
Desde pequeno, gestos simples, no dia a dia, ensinam o seu filho a dividir: ofereça uma mordida da bolacha, peça ajuda para arrumar a cama, elogie um desenho que ele mostrar (afinal, ele está compartilhando isso com você!).
Durante aquele ataque de egoísmo, mostre como é mais legal brincar em grupo. Proponha uma brincadeira com os outros amigos. Pode ser um jogo ou até mesmo esconde-esconde ou passa-anel, passatempos clássicos. No meio da diversão, enfatize como aquele momento junto com os colegas está sendo legal. Se ele não quiser emprestar os brinquedos novamente, relembre aquele dia em que todos jogaram juntos. Proponha, então, que divida o que tem para que a brincadeira se torne ainda mais legal. Se continuar a resistir ao empréstimo, não force a barra nem arranque o brinquedo da mão dele. Dessa forma, a lição se perde em meio ao ataque de raiva.
Alguns especialistas indicam que os pais designem tempos para cada criança ficar com o brinquedo. Vale lembrar, no entanto, que a percepção do tempo se desenvolve só a partir dos 3 anos. Antes disso, o diálogo e o seu exemplo fazem a diferença.
Na escola, no shopping e até na casa dos outros: sua filha acha que tudo é dela
É isso que acontece na casa da Selma Rodrigues, mãe de Felipe, 3 anos. “Tudo que o meu filho vê, não importa onde está, aponta e avisa: ‘É meu’. Basta ouvir essas palavras e já sei que a tempestade vai começar. Não adianta dizer que não, explicar que o produto é de outra pessoa ou que está à venda. A crise de choro começa e ele só para quando, enfim, consegue o que quer. Então, esperamos ele se distrair para sumir com o tal objeto rapidamente”, confessa. Muita calma nessa hora. Se você ceder aos gritos do seu filho, ele vai aprender que, dessa forma, consegue tudo. “O melhor jeito de evitar a crise de choro é negociar, levando em conta a idade da criança”, orienta a psicóloga Mara Pusch, especialista em comportamentos da infância e adolescência da Unifesp.
Até os 2 anos, leve a criança para outro ambiente para distraí-la. A partir dessa idade, já dá para conversar e sugerir uma solução. Uma dica é dizer para escolher o “objeto de desejo” para o aniversário ou para a próxima data festiva. Mas se não puder comprar, fale a verdade. Quando o “piti” é com algum objeto na casa dos outros, explique que, assim como ela, todo mundo tem as suas coisas preferidas. Enfatize, portanto, que aquilo já tem dono e logo mude o foco da conversa.
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