
Ivone com Breno, 3 meses, uma das sete detentas da ala de amamentação da Penitenciária 2 de Tremembé
Uma a uma, as portas de aço são fechadas. O som estridente do ferrolho é o último sinal, um aviso que os bebês já conhecem. O ruído anuncia que é chegada a hora deles ficarem somente com suas mães. Num instante, se acalmam e param de chorar. A funcionária confere as celas e tranca o portão do pátio. São 16h30, momento no qual as presas que são mães, e passaram o dia trabalhando, reencontram e aninham seus filhos. Para elas, é como se estivessem bem longe dali, em um lugar mágico. Para os bebês, é apenas o colo materno, que, em um presídio ou em qualquer outro canto do planeta, é o local mais seguro de todos.
“Ele é a ‘costelinha’ da mamãe, que me aquece e acompanha”, fala, alegre, Ivone Rodrigues dos Santos, 33 anos, sobre Breno, seu bebê de 3 meses. Ela é uma das sete detentas da ala de amamentação da Penitenciária 2 de Tremembé, interior paulista, unidade considerada modelo pela Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) do governo estadual. Cada cela é individual, com cama, berço, enxoval, banho aquecido, banheira de plástico, fraldas descartáveis e produtos de higiene. As detentas grávidas fazem as consultas básicas do pré-natal, como coleta de sangue, cardiotocografia e medição da barriga e do peso. Os ultrassons são feitos fora do presídio. Uma vez por mês, as crianças vão ao pediatra de um serviço público.
Para muitas brasileiras, isso tudo seria até um luxo, não fosse ali uma prisão. E é claro que isso não ocorre em todas as penitenciárias femininas. Não existe ala para grávidas em todas, mas, em geral, por não haver superlotação como nos presídios masculinos, as detentas dividem as celas com, no máximo, outras três. Nas cadeias públicas, por outro lado, há casos de 20 mulheres juntas.
Ivone, condenada a dois anos e três meses por estelionato (“pouca vergonha”, ela diz) – e que estava grávida de cinco meses quando foi levada para a cadeia –, entrou em pânico ao imaginar que teria o filho ali. Só se acalmou quando soube que seria transferida para uma unidade modelo. Breno nasceu em 20 de janeiro, uma semana e um dia depois de Ivone ter sido transferida. Hoje, ela ocupa seu tempo livre refletindo sobre o que fez, o futuro da criança em seu colo, da qual ela não desgruda, e de seu outro filho que está com uma das avós.
Helen Bruna da Silva, 22 anos, conta que cresceu “na vagabundagem”, e que a gravidez da filha Isabella, hoje com 2 meses, ocorreu dentro de uma cela, só que da Penitenciária 1 de Tremembé (masculina), em uma visita íntima. Sua história é muito semelhante à de outras presas no Brasil: os companheiros também são presidiários. Ela foi condenada a dois anos por tráfico de drogas, crime cometido em 2008 ao lado do agora ex-marido, com quem rompeu quatro meses atrás. Com ficha na polícia e por causa da barriga de cinco meses, foi reconhecida por uma vítima num assalto e está presa há seis meses. “Entrei aqui menina. Hoje só o que quero é levar minha filha na escola, dar comida e fazer tudo como qualquer mãe que tenha responsabilidade.”
Treinadas para sair
À primeira vista, o discurso de Helen e de tantas outras soa como uma apelação para o juiz. Na unidade modelo, parece fazer mais sentido, por conta do projeto, de apenas um ano, para ressocializar as internas que são mães. Comandado pela psicóloga Márcia Regina Soler Romero, o presídio feminino de Tremembé permite que elas fiquem com seus filhos até os 6 meses. Embora isso seja lei e devesse ocorrer em qualquer presídio, em alguns a situação é tão precária que o juiz determina o afastamento precoce de mãe e bebê. Já em Tremembé, desde a gravidez, os psicólogos começam a trabalhar com as detentas essa questão. Ao mesmo tempo que precisam estimular a aceitação do filho pela mãe, deve-se deixar claro que ele só ficará com ela nesse curto prazo. Por isso, os profissionais tentam aproximar a detenta e a sua família. Na maioria das vezes, esses laços afetivos são frágeis.
“Quando o sistema prisional afasta a presa de sua família, cria-se um problema para quando ela sair”, diz a coordenadora da Pastoral Carcerária, Heidi Cerneka. A ONG lembra que o artigo 318 da lei 12.403, de 2011, permite que um indiciado ou acusado cumpra pena em prisão domiciliar caso ele seja vital para os cuidados especiais de crianças menores de 6 anos ou com deficiência e para gestantes a partir do sétimo mês. Isso, contudo, depende da interpretação do juiz.
A infraestrutura carcerária para mães e grávidas tem crescido lentamente. Nos últimos três anos, foram construídas apenas cinco creches ou berçários nas unidades prisionais brasileiras, enquanto a quantidade de mulheres cumprindo pena só avança. Em junho de 2009, eram 30.519; em junho do ano passado, 35.596, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional, do Ministério da Justiça. O crescimento percentual de detentas é quase o dobro do de homens por trás das grades.
Em Tremembé, além da área de amamentação, existe a creche, onde as presas que querem estudar ou trabalhar podem deixar os bebês. É para lá também que as crianças vão a partir do terceiro mês para iniciar o processo de separação mãe e filho. Assim que houver recomendação da pediatra, é iniciada a alimentação suplementar. Quatro detentas do regime semiaberto fazem as vezes de babás. A unidade abriga 599 presas dos regimes provisório, semiaberto e fechado. Grávidas de oito meses e mães com filhos até 6 meses ficam na ala de puérperas, mas devem retornar ao seu setor de origem tão logo o filho saia do presídio.
Tão perto, tão longeUma lei federal (nº 11.942, de 2009) determina que, quando não houver nenhum parente para ficar com os filhos de mulheres presas, os presídios construam creches para abrigar crianças maiores de 6 meses e menores de 7 anos. A regra até hoje não saiu do papel. Embora especialistas se dividam quanto às vantagens com o argumento de que quem está presa é a mãe, não a criança, a proposta seria uma maneira de manter o vínculo entre mãe e filho. A separação entre eles após os seis primeiros meses e a realidade enfrentada depois disso é bastante sofrida para os dois lados e especialistas consultados pela CRESCER observam que pode resultar em bebês irritados e crianças com problemas de autoestima, agressivas, desobedientes e com dificuldades em fazer amizades.
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Valéria, à espera do hoje desejado Matheus Henrique
Sob o cuidado das avós
Samuel foi tirado dos braços da manicure Jussenilda Nunes Alves, 29 anos, no dia 28 de fevereiro. “Passei o tempo todo pedindo perdão, dizia que ele não merecia estar aqui, mas que eu iria amá-lo muito naqueles dias e por todo o resto da minha vida”, lembra. No dia da entrega, a mãe chorou e não conseguiu se despedir dele. A sogra, que mora próximo ao presídio, ficou com o bebê e seu irmão, de 3 anos. Jussenilda, que cumpre 16 anos de prisão por assalto a mão armada, sabe que só em 2014, com sorte, poderá estar no regime semiaberto. Hoje trabalha em uma fábrica de componentes eletrônicos dentro da unidade, ganhando R$ 400. E a cada três dias de trabalho, ela terá de cumprir um a menos. “É constrangedor trazê-los aqui, mas sou mãe deles e se passar muito tempo sem me ver, podem se esquecer de mim.”
Valéria Aparecida dos Santos, 27 anos, descobriu a gravidez na unidade de Tremembé. Mãe de quatro meninas, ela também engravidou de um ex-companheiro preso. E foi flagrada tentando levar cocaína para ele escondida na vagina. Já presa e quando a barriga começou a aparecer, ela passou a gritar e ficar dias sem comer. Pensou em tomar um punhado de calmantes. Queria perder a criança. Dormia de barriga para baixo, imaginando que a sufocaria. O psicólogo e outras presas convenceram-na a mudar de ideia. E hoje Valéria se arrepende de ter rejeitado Matheus Henrique. “Não sei se no futuro ele vai se revoltar comigo por isso”, diz. “Também tenho medo que minhas filhas não me perdoem.” É sua mãe, com quem nunca teve uma relação mais íntima, que cuida das meninas.
É assim também com Aurileine Mendes de Andrade, 27 anos, presa por tráfico de drogas, e que tem três filhos. Diogo, 11, e Dennis, 9, moram com a avó materna, enquanto Daivid, 3, fica com a madrinha. O menor não sabe que Aurileine é presidiária. “Sempre que vem me visitar, ele vai embora todo feliz dizendo como é o meu trabalho e que estava morrendo de saudade”, chora ao lembrar. Para aplacar a dor, escreve uma carta por semana, com um desenho para cada filho.
De cada dez detentas no Brasil, oito são mães. Quando um pai é preso, em geral a mãe cuida das crianças. No caso oposto, isso é raridade e quando não há avós por perto, os filhos vão para um orfanato. Segundo a Pastoral Carcerária, que tenta encontrar um familiar para ficar com essas crianças, muitos juízes tiram a guarda da mãe sob a alegação de abandono de menor. Isso faz também com que, ao contrário das unidades masculinas, o dia de visita nas femininas seja bem diferente. Enquanto para eles filas de mulheres e crianças se formam, e cerca de 90% dos presos recebam alguém, só 20% delas têm companhia vinda de fora, em sua maioria as próprias mães e irmãs. A ida das crianças é bastante estimulada, embora algumas presas prefiram que os filhos não as vejam ali.
Em Tremembé, por exemplo, que tem 599 presas, a média de visitantes nunca passa de 100 e só duas das mulheres ouvidas pela CRESCER recebiam os companheiros. No próximo dia das mães, se não houver problemas de disciplina, as detentas vão preparar uma festa, com decoração e bolos feitos por elas mesmas para celebrar com seus filhos e também com suas mães.
Para se ter uma ideia, São Paulo, que possui hoje 11.973 mulheres presas (22% a mais que em 2006), contava em março com 123 mulheres grávidas e 58 bebês. No total, o estado possui 16 unidades prisionais que atendem ao público feminino. Dessas, sete possuem ala de puérperas, para onde a secretaria transfere uma reeducanda que está em presídio sem instalações adequadas. Os nascimentos ocorrem nos hospitais próximos, com as gestantes escoltadas por agentes de segurança, que atuam como autoridade prisional, mas também as confortam até a hora do parto.
A cabeleireira Pamera Aparecida Barbosa, 25 anos, cumpre sua segunda pena e já teve dois filhos em presídios. Sarah, 7, nasceu na Penitenciária 1 de Tremembé, que não tinha um setor para parturientes, e a bebê passou sete dias com a mãe na ala de visitas íntimas. Ela foi solta, mas seu destino continuava preso ao sistema. Em 2009, Pamera foi flagrada em escuta telefônica pedindo dinheiro para o pai de Sarah, um traficante preso. Ela queria comprar roupas para a filha. O juiz entendeu que eram drogas. De nada adiantou o apelo de Pamera e do marido atual, de quem estava grávida de Samuel. O menino nasceu em janeiro, na unidade modelo. Mas sobra nela a esperança de que sua história ainda seja ouvida: “Quero ir embora da audiência com meu filho no colo”, sonha.

À esq., Helen quer sair e levar Isabella na escola, como qualquer outra mãe. Ao lado, Pamera com Samuel, seu segundo filho nascido atrás das grade
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