
Dia desses, fui pingar um remédio no nariz e resolvi deitar na cama pra fazer isso. Deitei na minha cama de dia, por cima da colcha, e, pingando o remédio, senti o calor de um raiozinho de sol que me batia nos pés. Pura delícia. O remédio desceu pelas minhas narinas e eu ainda fiquei ali pensando como adoro deitar na cama de dia, mas quase nunca faço isso. Lembrei da minha infância, da casa grande de minha avó e do quanto eu adorava ficar deitada na cama dela, durante o dia, sem fazer nada, só pensando, imaginando, contemplando as estrelinhas que se formavam no raio de sol empoeirado que por vezes me flechava pela janela. Sempre recorro a essa imagem quando vejo meus filhos correndo da natação pro inglês, do reforço pro violão. Tive grandes tardes de papo pro ar na minha infância e, mesmo que hoje meus dias não permitam essa regalia, fico feliz por ter conhecido a felicidade e a plenitude desses momentos.
Quanto a meus filhos, sinto medo deles não conseguirem ter sequer a ideia do que significa esse “dolce far niente”. Vivem de um lado pro outro desde pequenos. Ainda bebês começaram a fazer natação, mais tarde, musicalização, depois, inglês, escolinha de futebol, piano, teatro, terapia, ortodentista, taekwondo e tudo o mais que anda sendo oferecido às nossas crianças e, pior, a nós, pais, que, cheios de amor, caímos nessa armadilha e, se pudermos, vamos bombardeando nossos filhos com todas as oportunidades possíveis de desenvolvimento e formação. Também caí nessa armadilha. Caio todos os dias e confesso que não sei como me livrar dela. Pergunto pros meninos se eles querem deixar de fazer algo. Com exceção da escola, naturalmente, porque é óbvio que essa seria a primeira opção, já que as outras coisas eles fazem por escolha. Afinal, as escolas ainda vão ter que se repensar muito para um dia chegar a ser um lugar pra onde as crianças fiquem loucas pra ir.
O fato é que meus filhos não parecem querer abandonar nenhum dos cursos que fazem, e eu também fico com pena deles não tocarem nenhum instrumento, por exemplo, e acabo deixando eles correrem de um lado para o outro mesmo que me lembre bem do raiozinho de sol da cama de minha avó e de minhas tardes de pura contemplação. O mundo aumentou, pulverizou-se de possibilidades e contemplar é um verbo que cai em desuso dia após dia. Pedro está virando um cinéfilo, pois a cada tempinho do dia que lhe sobra se põe a ver um pedaço do filme do momento. Vê-lo de boca aberta em frente à TV tem me satisfeito. É, talvez seja essa a nova e possível contemplação, já que está cada vez mais difícil não ocuparmos nossos raros tempos livres com nossas mil telas. Mas também é bom não esquecermos de ensinar aos pequenos a delícia que é deitar no asfalto morno, por exemplo. Experimente. Entre um filme e o “face” até dá tempo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário