
Tenho paixão pela mitologia universal. Já escrevi alguns livros recontando mitos de várias partes do mundo. Para mim, o mito reafirma um fio que une cada membro da nossa comunidade, em qualquer tempo e local da Terra. É impressionante como nos parecemos, principalmente por dentro. É isso que as histórias ancestrais têm de mais rico: são um grande espelho da alma humana.
Os mitos nasceram da necessidade do homem de explicar o inexplicável, dar sentido à vida. Os antigos viam uma aranha, mas não conheciam Discovery Channel, nem a teoria de Darwin. De onde viria, então, esse animal que tece tão belamente? O mito de Aracne resolveu a questão, uma bela história que mostra a origem das aranhas. E junto carrega toda a psique humana.
Não só a natureza que o homem enxergava trazia inquietações, que eram quase sempre resolvidas com os mitos (de onde vieram as estrelas, o sol, a lua, o mar, o vento...), mas também os sentimentos eram intensos, muito semelhantes com os nossos: amor, ódio, raiva, ciúme, compaixão, ansiedade... Antigamente, eles também sofriam de depressões, de tristezas profundas, mas não conheciam Freud, Jung, nem os antidepressivos...
O mundo dos fenômenos naturais foi sendo gradativamente dominado pelos homens, e os mitos foram perdendo espaço para a compreensão científica. Entretanto, sempre me chamou atenção o fato de que ainda buscamos explicações transcendentais para acontecimentos ao nosso redor. Até nas brincadeiras mais simples, como “sua orelha ficou vermelha porque alguém está falando mal de você”, às situações pessoais, como “o meu namoradinho do jardim da infância pediu para ser meu amigo no Facebook”, é o destino!
Sempre tentei racionalizar, compreender os fatos como um acaso. Mas confesso: acontecem coisas comigo que até os deuses duvidariam.
Esta coluna nasceu exatamente de um fato bem estranho. Lendo um livro chamadoEscritos Sobre a Ciência e a Religião, de Thomas Henry Huxley, numa cadeira do aeroporto de Congonhas à espera do meu voo, um frei franciscano de chinelo de couro e hábito marrom passou na minha frente bem na hora da leitura mais acalorada sobre os efeitos da fé e da ciência. Parecia um sinal que queria dizer: “Seu incrédulo, não adianta adorar a ciência, a religião é mais importante”. Rapidamente ri daquela ideia, pura coincidência.
Depois de dez minutos, o frei reapareceu do nada, sentou bem do meu lado. E ainda não terminou: ele abriu sua simples pasta de couro e tirou um tablet de última geração. Na hora tive uma epifania e pensei: “A ciência e a fé estão sentadas ao meu lado!”. Isso não podia ser coincidência.
Brincadeiras à parte, você já deve ter ouvido falar que são justamente histórias como essas que aguçam a curiosidade científica das crianças. Daí a importância de contar nossas grandes narrativas ancestrais, que são uma conexão direta com o passado e com o futuro. É o jeito de elas entenderem o mundo – e o nosso também.
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