ENTREVISTA: De garota engajada a mãe verde



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Se você está na casa dos 30 anos, provavelmente se lembra da Eco 92, o primeiro grande evento em que países dos quatro cantos do mundo discutiram o futuro do planeta como um lugar sustentável. E deve se recordar também de uma menina de 12 anos que fez um discurso e entrou para a história como “a garota que calou o mundo”. Era a canadense Severn Cullis-Suzuki que, em plena adolescência, conseguiu dinheiro com os amigos para viajar ao Brasil, um país mais de 11 mil quilômetros distante do seu, e defender o meio ambiente. Duas décadas mais tarde, ela está prestes a voltar para cá, desta vez como parte da delegação canadense do Rio +20, encontro em que líderes mundiais discutirão os rumos que a sustentabilidade e a erradicação da pobreza no mundo tomaram.

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Filha do renomado ambientalista David Suzuki, Severn é mãe do menino Ganhlaans, 2 anos, e do bebê Tiisaan, 4 meses, a quem se dedica em tempo integral. Ela vive no arquipélago de Haida Gwaii, costa oeste do Canadá, com os filhos e o marido, que trabalha com preservação de animais e plantas em um parque. De lá, escreve livros para crianças e apresenta um programa de TV sobre a questão da água para populações indígenas.
Nesta entrevista, Severn confessa ter descoberto que, depois dos filhos, algumas atitudes “verdes” podem ficar mais difíceis de ser seguidas, como comprar alimentos orgânicos, que são mais caros, para toda a família. Ainda assim, garante que as crenças que a tornaram conhecida no mundo são as mesmas. “Eu não mudaria uma palavra do discurso de 92. Ele poderia ser repetido por completo agora.” Confira o que mais ela nos falou.
CRESCER: O que você acha que mudou no mundo e na sua cabeça desde 1992?
Severn Cullis-Suzuki: Eu cresci, mas muitas das minhas opiniões continuam iguais. Já em termos mundiais, estamos em um momento de avaliar se somos mesmo bem-sucedidos ambientalmente. Acho que falhamos porque não estamos nem perto de ser uma população sustentável. Mas o lado bom é que hoje, com a internet, qualquer um pode se envolver e mudar suas atitudes, estudar causas, soluções e conhecer outros exemplos. 

C.: Agora que é mãe, ainda consegue manter as mesmas atitudes sustentáveis?
S.C-S.: Sim. Penso do mesmo jeito e ainda me sinto mais forte para lutar pelo que sempre acreditei. O que mudou foi a perspectiva. Antes eu lutava pelo meu futuro. Agora, pelo das minhas crianças. E compreendo totalmente esse amor entre mãe e filho... Não há nada mais forte! Isso dá sentido a nossas atitudes diárias. Temos mais força para lutar por políticas governamentais que garantam que o ecossistema continue a nos prover.
C.: Seus pais tiveram um papel importante na sua formação como ambientalista. Como os pais influenciam seus filhos nessa questão?
S.C-S.: Meus pais foram fundamentais! Acredito que nossos genitores são os nossos primeiros educadores, os modelos de comportamento. Meus pais nunca me disseram para eu fazer isso ou aquilo. Mas eles eram envolvidos com o meio ambiente e, mais importante, me mostravam com ações. A questão é que não basta só falar. Para mostrar algo a uma criança, em especial em termos de valores e ideologias, você precisa ser parte da mudança, acordar para isso, fazer sua voz ser ouvida. Essas atitudes devem existir especialmente em pessoas envolvidas na educação de crianças.
C.: Mas não é toda criança que tem pais tão envolvidos com essas questões. É possível ensiná-las um comportamento sustentável?
S.C-S.: As crianças têm modelos em outros lugares, como a escola. Qualquer pessoa pode inspirá-las. Mas há pequenas atitudes que as pessoas nem imaginam e que fazem as crianças se interessarem pela natureza. Cuidar de um jardim, por exemplo. O que nossos filhos nos veem fazendo todos os dias é que irá impactar suas vidas. Quando eu era pequena, meus pais me levavam para pescar e fazer caminhadas nas montanhas. Foi isso que criou minha conexão com a natureza.
C.: Fala-se muito sobre o quanto fraldas descartáveis e plástico demoram para se decompor na natureza. O que você fez na gravidez e com seus filhos no sentido de minimizar esse problema?
S.C-S.: Essas coisas estão mais populares agora, não é? Eu uso fraldas de pano e mamadeira de vidro com meus filhos (além de amamentar, claro). Mas acho que mais importante do que essas ações é os pais estarem felizes com suas escolhas. Nós fazemos o melhor que podemos para nossos filhos, sempre. Seria muito bacana se as pessoas conseguissem comer alimentos orgânicos, em especial na gravidez, mas sei que é difícil e caro para muitos. Por outro lado, é uma das coisas que me movem. Se os pais se organizassem localmente para pedir mudanças, os produtos ficariam mais acessíveis. Mas agora, como mãe, eu entendo que a chegada de um bebê traz muitas novidades com as quais devemos nos acostumar. E é difícil assimilar todas elas e pensar também no que fazer pelo planeta. Por isso precisamos dos governos. Não é nossa responsabilidade fazer isso sozinhos.
C.: Seus filhos ainda são muito pequenos, mas você já começou a ensinar algo sobre sustentabilidade ao mais velho?
S.C-S.: Sabe, a melhor coisa a fazer por seus filhos é levá-los para fora de casa. Passear, acampar, andar. Você não precisa ensinar às crianças coisas específicas. Apenas leve-as para ver quão bonito e gostoso é ficar em uma praia, em um parque. As crianças amam a natureza como característica inata. Hoje, com toda a tecnologia e os brinquedos digitais, esse contato ficou mais difícil. Até então, todos os pequenos eram acostumados a brincar na rua. Esse era o motivo pelo qual muitos jovens acabavam envolvidos com os movimentos ambientais. Mas agora, sem eles conhecerem de perto árvores, plantas, animais, será que vão lutar pela sua preservação? Mesmo se você mora em uma cidade grande, pode cuidar de uma planta em casa, cultivar algo para consumir depois. Assim, as crianças entendem que a comida vem da terra.

C.: Não temos no Brasil uma estrutura para reciclagem, por exemplo. Tudo acaba se transformando em ações de pequenos grupos. Elas adiantam ou não?
S.C-S.: É normal que a gente se sinta desanimado e frustrado quando pensamos nos grandes problemas de um país, mas não podemos cair na apatia. Um jeito de garantir isso é fazer pequenas ações que funcionam. Elas nos dão força para continuar e nos sentir mais poderosos. Quando eu era criança, minha mãe criou um grupo chamado Comitê Verde na minha escola. A proposta era transformar o chão de concreto em horta, sem pesticidas. E isso foi a ideia de uma mãe que se juntou a outras e mudou a vida não só da filha dela e de seus amigos, mas de centenas de crianças que depois estudaram ali. É assim que as coisas começam.
C.: Pode ocorrer de, em casa, um dos companheiros ou mesmo o filho não se empolgar muito com as iniciativas verdes da mãe ou do pai. Nesses casos, o que fazer?
S.C-S.: Quando há conflitos é sempre mais difícil, mas meu conselho é: não desista. Claro, não adianta reciclar sozinho ou ter um jardim que só você cuide. É muito mais valioso todos participarem. Mas vou contar uma história: na minha infância, minha mãe sempre queria passear e eu ficava resmungando “por que temos que ir?”. Hoje eu entendo o que ela fazia. Estava me pondo em contato com a natureza para que eu aprendesse a respeitá-la e preservá-la. Amo mais que tudo repetir isso com os meus filhos. 

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