Agenda congestionada



Ilustração Ricardo Gimenes
Aos 6 ou 7 anos de idade, virei cobaia de uma experiência inglória: estar em dois lugares ao mesmo tempo. Aos domingos, num zigue-zague frenético, procurava participar do almoço em duas casas diferentes: na dos meus avós maternos e paternos!
O fato de eles serem vizinhos de calçada ajudava, mas não era suficiente para que eu atingisse meu objetivo. Começava beliscando um aperitivo aqui. Depois corria para pegar o início do almoço acolá. Como um autêntico pêndulo humano, voltava a tempo de dar uma bicada no prato principal onde havia iniciado o rally... Retornava à mesa anterior, fingindo que nunca tinha saído de lá, em busca da sobremesa... Ao final do esforço, ficava uma sensação de que, em vez de ocupar dois lugares ao mesmo tempo, não havia estado em lugar algum.
Esta cena perdida na memória da minha infância voltou dia desses, quando a mãe de uma amiguinha da minha filha menor, a Clarice, dividia comigo a angústia de vir ou não buscar a filha dela aqui em casa. Pelo telefone, tentava alertá-la que as duas estavam brincando numa paz rara, imersas no mundo da fantasia... Mas não consegui convencer a mamãe angustiada. Foi um tumulto e tanto interromper as duas criaturinhas naquele estado divino e convencê-las da necessidade imperiosa de participar do aniversário de um certo Agenor, tio distante do pai da amiguinha. Desculpe usá-lo como exemplo, desconhecido tio Agenor, mas creio que nós, adultos, precisamos urgentemente levar mais a sério a agenda das crianças.
Antes de tudo, é importante identificar um paradoxo. As crianças são seres de alma absolutamente livre e ao mesmo tempo profundamente dependentes, até para as atividades mais prosaicas. Aparentemente, precisam de alguém que determine para elas a hora de acordar, ir para a escola, dormir, se pentear e até de fazer xixi.
Do outro lado, os pais parecem ter a certeza de que, sem eles, as crianças simplesmente não sobrevivem um mísero minuto. Longe da sabedoria e experiência deles, acreditam alguns pais, os inofensivos filhinhos se transformam em animais selvagens que podem transformar o cotidiano num caos de proporções irreversíveis.
Lembra-se da história de Pinóquio? Tudo ia bem até que um dia o filhinho obediente do velho marceneiro Gepeto é desviado de seu caminho “perfeito” por garotos de rua e vai parar no “País da Alegria”– um lugar onde as crianças eram livres para fazer o que quiser. O acesso a esse mundo de prazer e liberdade é punido de forma implacável: nascem orelhas de burro no moleque, que também começa a beber e a fumar charutos!
Nesses dias que correm, e como correm, é difícil escapar do dilema da nossa era: pouco tempo e muita coisa para fazer. Por isso, fica um alerta contra a desvalorização do tempo de brincar, tão bem ilustrado na história de Gepeto – o pai do boneco de madeira com dificuldade para “virar gente”. Sugiro que cada um de nós, pais, estejamos atentos para não sobrecarregar as expectativas que criamos sobre nossos filhos. Ninguém merece tentar, como fiz sem sucesso no passado, estar em dois eventos ao mesmo tempo. E que o tio Agenor saiba entender e perdoar a ausência da sobrinha na festinha de aniversário.

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