A arte do imprevisível



Ilustração: Tiago Gouvea
Vamos chamar o menino da minha primeira história de João. Ele nasceu numa família de classe média, seu pai era funcionário público exemplar e tinha renda sólida. Sua mãe era dona de casa, perdeu seus três primeiros bebês, mas o quarto, João, sobreviveu.
O pai de João era das antigas: severo, disciplinador e batia no filho quando achava necessário. Já a mãe era o oposto... Ela cobria o menino de carinho e depositava nele sonhos de grandeza. João amava ler histórias sobre os índios americanos e seus conflitos no Velho Oeste. Quando perguntado sobre seu futuro, dizia que queria ser artista.
Agora vamos chamar de José o menino da minha segunda história. José nasceu apenas quatro dias antes do que João. Eles são do mesmo ano e mês. A vida de José foi bem mais sofrida no quesito financeiro do que a de João. Seus pais eram artistas de teatro popular e, quando começaram a ganhar certa fama e dinheiro, o mundo começou a ruir para a família do pequeno José.
O pai, talentoso, se afundou na bebida de tal forma que não houve volta. A mãe, carinhosa e sonhadora, ficou gravemente doente e não conseguia mais cuidar do seu amado filho. Resultado: com sete anos, José foi enviado ao orfanato. Ao se lembrar dessa época, José, já adulto, sempre dizia que foi a fase mais infeliz da sua vida. Assim como João, José também queria ser artista, adorava inventar e representar histórias.
Qual terá sido o futuro de João e de José? No que eles se transformaram? Quais foram suas características mais marcantes? Como a criação, a educação, o ambiente familiar moldou esses dois meninos que nasceram no mesmo ano e mês?
É evidente que faltam muitas informações para completar o quadro amplo e complexo da vida dos dois, mas nossa mente já pressupõe algumas hipóteses, temos a tendência a racionalizar as consequências da educação na vida de uma criança.
Quero fazer uma revelação: João e José foram personagens históricos reais, ambos nasceram em abril de 1889 (o primeiro no dia 20 e o segundo no dia 16). João nasceu na Áustria e José na Inglaterra. Descobriu quem são? Adolf Hitler e Charles Chaplin.
Como explicar caminhos tão díspares entre duas crianças que foram amadas pelas mães e tiveram problemas com seus pais? E o fato de que a fome e a miséria abateram o menino genial que nos legou Carlitos, ao passo que a criança estimulada a ser um grande pintor se tornaria o executor de um dos quadros mais horrendos da humanidade?
A educação é a arte do imprevisível. Por mais que façamos tudo que acreditamos para o bem dos nossos filhos, nunca saberemos o resultado. Façamos a nossa parte com dedicação e muito amor, o resto é com o acaso e o esforço de cada um.

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