Consumo na medida



Don Smith/gettyimages
O publicitário Daniel Rimoli e a analista de sistemas Ana Beatriz conseguiram limitar o acesso da filha Cecília à televisão até os 3 anos da garota. Depois, o casal se separou e o aparelho virou babá eletrônica sempre que necessário. Hoje, aos 7, a menina quer comprar tudo. Do ponto de vista profissional, Daniel critica uma proibição total da propaganda destinada às crianças. Mas, como pai que cuida de Cecília nos fins de semana e vê o excesso de comerciais criados para seduzi-la, ele gostaria que algo fosse feito. “Não tenho dúvida de que há um exagero. Acredito que seria bom determinar uma quantidade e uma frequência de publicidade, sobretudo nos canais para crianças”, sugere.
A percepção de que tem propaganda demais na TV e de que isso dá um trabalho extra aos pais na hora de educar os filhos – pelo menos se levarmos em consideração que os das gerações anteriores não tinham esse dilema tão presente – está no livro recém-lançado A Criança e o Marketing (Summus Editorial), da psicóloga Ana Maria Dias da Silva e da especialista em comunicação Luciene Ricciotti Vasconcelos. Nele, as autoras procuram explicar os mecanismos do marketing e ajudar os pais a lidarem com os pedidos das crianças, mas sempre puxando pelo exemplo deles. “Qual de nós nunca levou pra casa algo que não estava pensando em comprar pois não resistiu à tentação dos brindes ou descontos?”, diz um trecho do título. Imagine o que sente um pequeno ao ver seus personagens e heróis favoritos dizendo quanto aquele produto é legal. Fica difícil resistir... E aí, cabe aos pais explicar que o filho pode desejar algo que assistiu na televisão, mas que, muitas vezes, não vai ter. Ou por não ser prioridade, ou por ser caro, ou por não precisar.
A verdade é que esse dilema vivido pelos pais de Cecília está no centro de um acalorado debate. O Instituto Alana, organização não governamental voltada para a proteção à infância, luta para que seja proibida qualquer publicidade para crianças menores de 12 anos – medida adotada na Noruega. Já a Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap) discorda, claro! Para ela, a proibição pura e simples não é o melhor caminho, pois é impossível colocar as crianças em uma redoma. E a entidade defende sua opinião com convicção. Em março, lançou a campanha Somos Todos Responsáveis, em que preserva o direito de fazer propaganda para o público infantil por meio da imagem de personalidades conhecidas do mundo das crianças, como a dupla de palhaços Patati e Patatá. O cartunista Maurício de Sousa, o pai da Turma da Mônica e de dez filhos, é outro protagonista dessa bandeira. Ele afirma que, se ocorresse esse tipo de proibição, haveria uma “turminha de zumbis” incapazes de pensar ou avaliar qualquer coisa.
Os dois lados
Na visão de Luiz Lara, presidente da Abap, a propaganda brasileira nem sempre foi a vilã – inclusive já contribuiu para disseminar hábitos saudáveis no público infantil, como escovar os dentes. “Não concordo com a proposta de proibir a liberdade de expressão comercial. Isso é pavimentar o caminho da censura para outros elementos importantes, como a imprensa. A publicidade é o instrumento que garante aos veículos de comunicação sua independência editorial.” Ele se refere ao fato de que os anunciantes pagam por espaços específicos em vez de atrelar patrocínio a reportagens favoráveis a seus produtos.
A coordenadora de mobilização do Instituto Alana, Gabriela Vuolo, refuta o argumento da censura. “A publicidade é feita para vender e não pode, nem deve, gozar do mesmo privilégio da liberdade de opinião. Temos que pensar em proteger a infância do bombardeio comercial com interesse de venda.” Gabriela afirma que a campanha da Abap até o momento tem atribuído somente aos pais a responsabilidade por desligar a TV. Para o Alana, que não nega a influência central da família, o meio publicitário também precisa fazer a sua parte. “A televisão passa o dia inteiro incentivando o consumismo e cabe aos pais, nas duas horas em que estarão com o filho, dizer não?”
Moeda de troca
Não é uma cena incomum um filho chantagear os pais e chorar até conseguir o que quer. Segundo uma pesquisa feita pelo instituto Interscience em 2003, as crianças participam de 80% das decisões de compras da casa. Para evitar esse tipo de situação, a gerente administrativa Heloísa Blanco Velasco, 37 anos, vigia o que os filhos Henrique, 9, e Paola, 7, veem na televisão e troca de canal para evitar os comerciais. Por outro lado, ela acredita que o que mais funciona é a maneira como os pais agem diante dos próprios desejos de consumo. “Se os pais forem do tipo que compram tudo o que querem, as crianças não vão precisar da TV para despertar seu lado consumista.”
Além da discussão entre entidades e dentro de cada casa, diversas leis sobre a propaganda infantil estão sendo discutidas no Congresso Nacional e também em alguns estados. Por enquanto, não há nenhum tipo de regulamentação no Brasil, nem quanto à quantidade de comerciais por período, nem restrições de qualquer natureza. Mas já existem propostas. Na Câmara dos Deputados, o projeto de lei 5.921, de 2001, prevê a proibição total de propaganda para o público infantil. Já no Senado, o PL 150, de 2009, estabelece regras para a propaganda de alimentos voltados para as crianças, como bolachas e refrigerantes, que não poderiam mais trazer artistas ou personagens ligados ao público infantil, além de propor mudanças nas embalagens. Para Edgard Rebouças, coordenador do Observatório da Mídia Regional da Universidade Federal do Espírito Santo, esse debate precisa ser levado adiante. “A publicidade cada vez mais quer vender ideais de vida, o que dificulta o papel dos pais na hora de educar”, diz.
Em parceria com o Instituto Alana, o observatório vai mapear pelos próximos cinco anos a quantidade de publicidade no Dia das Crianças, na Páscoa e no Natal. Para se ter uma ideia, no último Natal, um monitoramento de 15 emissoras abertas e fechadas apontou que 37,3% das propagandas foram de brinquedos – e a grande maioria deles custava entre R$ 51 e R$ 200. Para Edgard, esse dado já era esperado. O que mais preocupou o especialista foi notar que anúncios de alimentos – e a maioria deles nada saudável – estão em segundo lugar no ranking.
Para o psicólogo Pedrinho Guareschi, professor de psicologia social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a grande discussão é saber a partir de que idade a criança entende que o objetivo da inserção comercial é vender um produto. “Uma criança de 6 a 8 anos não tem nível de consciência suficiente para praticar ações independentes e livres e precisa da orientação dos pais”, explica Guareschi, que coordena o grupo de pesquisa Mídia Televisiva no Brasil. As menores então, têm menos discernimento ainda. Segundo o psicólogo, essa independência só vai surgir quando ela for capaz de perguntar para que servem as coisas e refletir sobre as respostas, o que varia de acordo com a maturidade. Por isso o debate sobre a proibição das propagandas envolve tanto a questão da idade.
Luiz Lara, da Abap, entende que o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), ao lado da Constituição Federal e do Código de Defesa do Consumidor, são os instrumentos legítimos para a proteção das crianças. Para o Instituto Alana, a autorregulamentação não funciona porque é lenta e, muitas vezes, quando um caso é julgado pelo Conar, a propaganda já saiu do ar. As próprias agências de publicidade já se programam para trabalhar com essa hipótese.
Enquanto profissionais de marketing, entidades e políticos não chegam a um acordo ou conclusão, cabe mesmo aos pais definir como agir em casa. E um bom começo é saber a que seu filho está sendo exposto, separando um tempo para ver TV ao lado dele e conversando sobre o que assistiram juntos. A dica serve tanto para os mais velhos quanto para os menores, pois vai ajudar a criança a pensar de forma crítica nas informações que recebe.
Restrições em outros países
Saiba o que é proibido para publicidade infantil ao redor do mundo
INGLATERRA
Uso de efeitos especiais, cortes rápidos e ângulos diferentes nos comerciais que confundam a criança. 
Publicidade voltada para menores de 16 anos de alimentos com alto teor de gordura, sal e açúcar.
ESTADOS UNIDOS
Mais que 10 minutos e 30 segundos de inserções a cada hora de programação, aos sábados e domingos, e 12 minutos, nos dias da semana. 
Comerciais de sites na programação de TV direcionados a menores de 12 anos.
CANADÁ
Uso de pessoas ou personagens conhecidos pelas crianças nas inserções comerciais. 
Limite de quatro minutos de publicidade a cada meia hora de programação infantil. 
Propaganda de produtos não voltados a crianças nos programas infantis.
SUÉCIA
Comerciais para crianças menores de 12 anos antes das 21 horas. 
Usar personagens em comerciais de TV.
NORUEGA
Publicidade de produtos e serviços direcionados a crianças menores de 12 anos. 
Inserções comerciais durante os programas infantis.
IRLANDA
Qualquer publicidade durante programas infantis em TV aberta.

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